Opinião
Eu não sou Chico, mas quero tentar
Por Eduardo Caputo
Pesquisador associado - Universidade Brown, EUA
[email protected]
O Teatro Mágico, projeto liderado por Fernando Anitelli, tem várias canções interessantes. A que dá título ao texto dessa semana é uma das minhas preferidas. De certo ponto de vista, Chico, o Buarque de Holanda, é um parâmetro difícil de se atingir. Como o próprio Anitelli diz, como competir com alguém como Chico. Afinal, ele escreve coisas geniais, tem olhos claros e joga futebol. Triste sina de uma comparação onde jamais sairemos vencedores. Assim é o caso do futebol do interior. Como é possível um clube de interior competir com grandes investimentos, folhas salariais gigantescas e grandes contratações?!
Eu cresci indo ao estádio assistir meu time. Comecei cedo, já por volta dos cinco anos todos os caminhos levavam ao Bento Mendes de Freitas, nos domingos à tarde. Eram outros tempos. Não havia craques como Cristiano Ronaldo ou Messi, que dominavam o imaginário dos pequenos torcedores. Lógico que os craques existiam, mas em outra proporção, eu diria. Cresci assistindo Osvaldo, Hélio, Dido, Luizinho, Elton Correâ, Silveira, Milar entre tantos outros que passaram pelo interior, seja no Brasil ou em equipes adversárias. Ao longo da minha infância e adolescência, não havia tanta informação, se comparado com os dias de hoje, e os jogos eram transmitidos na televisão apenas quarta e domingo. Ou pela rádio. Não existe nada mais emocionante que acompanhar um jogo pelo rádio. Muitos não se contentam em assistir ao jogo apenas. Estão presencialmente, mas com o ouvido ligado nas informações.
Eu fui ensinado (sim, ensinado) a ir ao estádio assistir aos jogos e torcer. Não interessava a competição, o adversário, se era amistoso ou não. Isso eram apenas detalhes. O importante era adentrar aquele local sagrado, que é um estádio de futebol, trajando o manto sagrado para torcer (ou sofrer, se você preferir) até o apito final. Quando atingi a adolescência, e meu pai deu seu trabalho de formação de torcedor por encerrado, segui acompanhando o time no estádio. Afinal, tradições precisam ser mantidas. Dentro do Bento Mendes de Freitas assisti diversas competições e, como todo torcedor, fui do céu ao inferno.
Em todos esses anos como torcedor, sempre mantive o pensamento claro de que não somos Chico, mas queremos tentar. Digo que não somos Chico pela falta de investimentos grandiosos e massiva exposição de mídia, como dito anteriormente. Independentemente disso a saga do torcedor se mantém, como diz a canção, com "o peito trajado de dores e a boca tragando rancores", entre um e outro episódio de felicidade.
Mais um Campeonato Gaúcho se inicia e mais um ano que o torcedor do interior está lá. Não interessa o time para o qual ele torce. Ele está lá. Seguindo sua sina e perseguindo seu sonho de que, quem sabe um dia, seu time será um Chico. Não há necessidade de craques de grande visibilidade nacional, ou grandes investimentos. A alegria de assistir seu time no final de semana, ou quarta à noite, na companhia dos amigos, ou de pessoas que ele conhece apenas dos jogos, basta. E dessa forma, seguimos, "brincando de ser e estar, apenas". Não somos Chico, mas queremos tentar.
Carregando matéria
Conteúdo exclusivo!
Somente assinantes podem visualizar este conteúdo
clique aqui para verificar os planos disponíveis
Já sou assinante
Deixe seu comentário